Indiretamente direto

Tu já desejou algo ou alguém, mas estudou o campo primeiro? Só pra ver se jogam o mesmo jogo que tu?

O dia-a-dia é assim. A atualidade se resume num grande Orkut. Tudo não passa de contatos.
Por isso me arrisco a dizer que não é o Orkut que está se transformando na nossa própria vida e sim o contrário.

Antes nós conhecíamos pessoalmente alguém e aí então adicionávamos essa mesma como amiga virtual. Mas agora inverteu-se isso. Primeiro amizade virtual, depois a real.

Antes ligávamos pra saber se amigos estavam bem e depois mandávamos um scrapp. Agora, mandamos um scrapp dizendo que qualquer dia iremos ligar para saber como vão as coisas.

Antes, tirávamos fotos espontaneamente e, se ficassem legais, colocávamos no álbum virtual do Orkut. Hoje, o que pauta a nossa saída é justamente novas fotos para o tal álbum.

Este foi um desabafo virtual. Confesso que estou viciado.

Voltando à prerrogativa. Como as pessoas reagem ao te conhecer? Certamente, elas fazem uma análise errônea da tua pessoa. Agora, o desejo. Moça, tenho algo a te dizer, mas fazê-lo-ei por entrelinhas. Não me deixarei tomar por um acesso de não-pensar e não me sucumbirei à loucura da provocação.

Quando penso, os olhos orbitam por entre os mares negros da minha mente. Lá, eles pegam um barquinho e vão até o meio do oceano junk que é esta cabeça. Ficam pescando. Os olhos, pescam um, dois, três, pensamentos. Trazem eles os pensamentos de volta à orbita ocular e assim eu vagueio numa desilusão desmanchada de semi-realidade.

Mas se os fecho novamente, acabo por mastigar esses pensamentos. Degusto cada momento deles. Garfo e faca, e pratos sujos no Neurônio's restaurante. De supetão sou expulso da fantasia e volto ao manjar dos semi-deuses.

Penso no teu corpo, junto ao meu, e os dois freneticamente alucinados pela explosão de adrenalina que pulsa em nossa mente. Eu estou ali, de corpo, alma, pensamento. Já tu, te desfiguras a cada balanço do tal barco, no meu junk ocean. 

A cada piscar sinto que tudo não passa de um vagalhão forte de pensamentos.

Alguém me diz: "Queria ser uma mosquinha". Paro tudo. Entro em transe. A cena reflete no espelho das minhas pupilas. Vejo claramente eu em uma sala mal iluminada. O som da máquina de escrever. O cenário é um escritório dos anos 40. Estou a escrever o romance de minha vida.

O suor me escorre pelas têmporas. Passo as costas da mão direita sobre elas e me refresco indiretamente. Eis que me surge um vulto à pouca luz que me dá a força de escrever. É apenas uma mosquinha. E ela vem ziguezagueando, pra lá e pra cá. Seu som retumbante em meus ouvidos: bzzzzz. Perco a concentração e teclo algo notoriamente errado em meu curso. Retiro a folha da máquina e afasto a mosca com a mão esquerda.

Levanto da cadeira e vou até a janela. A noite está refrescante, não faz frio, muito menos calor. Me debruço sobre o alpendre e ali de cima observa a calmaria da noite.

Eis que me pousa a mosca em meu braco direito. Ali ela caminha devagar, tateando. Sinto um leve arrepio que me sobe a espinha. Uma gota de suor frio desce pelo nariz e cai na palma da mão direita. Ao fazer uma tentativa para secar a tal gota, observo atentamente a movimentação da mosquinha.

Ela, até então me dando prazer bizarro, caminha até meu suor. Ela pára, passa as patas pelo molhado e se molha. As moscas também sentem arrepios. Ali, sob a luz da lua, fomos cúmplices de uma irreverência, de um deleite para ambos.

Só que a lei da selva é rígida e, no instinto do gozo, acabo esmagando a mosquinha com minha mão suada de prazer.