Conto: Cadarços

E lá se ia o Chico. Meio-homem, meio-sapo. O menino tinha pernas de anfíbio. Seu pai, metade-boi, metade-jacaré, era duro na queda. Queria que o filho seguisse seus ensinamentos como um boi, digo um homem. Sua mãe, metade-mulher, metade-homem, queria que o filho seguisse seus ensinamentos e vivesse como ele, digo ela. A confusão em sua meia-toca dava-se dia-noite, noite-dia. Acontece que o Chico não podia usar sapatos. Seu maior sonho era ter um par de sapatos. Já tinha os cadarços. Uma coleção deles. Ficava imaginando como seria um sapato para anfíbios. Chico tinha sido convidado para a festa de aniversário da Glorinha. Ela não sabia, mas ele gostava tanto dela! Chegara a escrever mil quatrocentos e vinte e seis versos para a menina. Mas não era fácil ser o único anfíbio da turma. O boi, digo seu pai uma vez o alertara : fique longe do amor e dos restaurantes. Essa era a lição do boi. Outra lição quem dera foi sua mãe: o amor é comestível. De fato, o menino era um redemoinho só.

O macho da família – sua mãe – arrumara-lhe todo para a ocasião da festa. O menino encontrava-se sôfrego. Seu jacaré, digo seu pai foi acalma-lo e deu dicas sobre como se portar numa festa. Até ensinou uns passos do tempo do Curral. O menino foi-se confiante.

Preferiu ir pulando de alegria. Estava bêbedo de esperança. Avistou a casa de Glorinha. Num pulo, estava aplaudindo a casa sem campainha. Glorinha atendeu. Deu um largo sorriso avermelhado e convidou-o a entrar. Fique longe do amor, dissera seu pai-jacaré. Não seguiria tão cedo esse conselho, mas o outro ele seguiria. Afinal, os restaurantes vendiam suas pernas. Ou eram rãs? Não sabia, mas não valia a pena arriscar. Por um amor sim. E entrou na festa. Logo de cara, seus colegas já foram tirando sarro do menino descalço. Apertou os olhos de raiva. A Glorinha já puxou-o pelo braço, levando-o a uma peça reservada. O menino-sapo viu numa cozinha cheia de facas. O que os pais da Glorinha eram? Não sabia. Nunca perguntara. Glorinha olhava-o de forma suculenta. A menina babava. Tascou um beijo no inocente do Chico. Ela disse suspirando que queria namorá-lo. Chico estranhou. Tá certo que ela era legal com ele, mas nunca demonstrara tanta admiração. Meu pai disse que quer te dar um presente, diz a Glorinha. Presente? A festa é dela e ele ganha presente? Não entendeu.

O pai de Glorinha, seu Luis, estava ofegante. Soube que você não usa sapatos. Tenho um sapato especial para você,disse segurando o braço do sapo-menino. Levou-o a uma sala escura. Não enxergava nada. Sapatos! O menino suspirava felicidade. Iria ter um par de sapatos para seus inúmeros cadarços. Quanta alegria. Acende-se a luz. Todo mundo parado. Ele no centro. Seu boi o avisara: Fique longe do amor e dos restaurantes. Lembrara naquela hora: O Amor é comestível.

3 comentários:

C.C disse...

Admiro tua criatividade.

Unknown disse...

Adorei...

Anônimo disse...

Nossa que capacidade criativa tu tens, muito bom.
Estou impressionada! Beijos.